O recente sucesso de Parasita, premiado filme do cineasta coreano Bong Joon Ho, trouxe para o foco da crítica de cinema a relevância da arquitetura e dos espaços interiores. Como poucos filmes conseguem fazer, a obra-prima de Ho borrou os limites entre os dois campos disciplinares a ponto de podermos afirmar, sem exageros, que a arquitetura não está lá apenas como cenário, mas assume papel de protagonista em muitas cenas.
Mas, apesar de fazer isso com competência ímpar, Parasita não é o único filme a atribuir aos interiores elevada importância; diversas obras cinematográficas já o fizeram antes - e com semelhante êxito. A seguir, apresentamos sete filmes em que os espaços internos desempenham mais que o simples papel de cenário.
Parasita
Vencedor de quatro Oscars, Parasita reafirma a forte relação que existe entre a arte do cinema e a arquitetura, e seus cenários se tornaram foco de discussão em meios especializados de ambas as disciplinas. A opulenta casa da família Park, com seus materiais refinados, mobiliário minimalista, atmosfera austera e amplo jardim, é contraposta à sombria imagem do lar da família Kim, um covil parcialmente subterrâneo de aspecto erodido e cuja única janela se abre para o nível da rua.
Ao longo do filme, uma intrincada rede de relações tecida entre as personagens lança luz sobre a problemática socioeconômica da Coreia - e, de modo geral, do capitalismo globalizado - e encontra nas arquiteturas do filme um interessante contraponto metafórico. Ainda mais significativo, o ponto de inflexão da narrativa ocorre, justamente, quando um novo espaço da casa - uma espécie de bunker subterrâneo - é relevado.
Direção: Bong Joon Ho
Ano: 2019
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Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)
Também vencedor de quatro Oscars, Birdman é um filme de interiores. Filmado de modo a parecer que (quase) toda a película consiste em um único plano sequência, o filme se passa quase que inteiramente no interior de um teatro, onde a companhia dirigida por Riggan, o protagonista, realiza seus ensaios e apresentações. Ele mesmo também um ator, Riggan, que no passado fizera sucesso interpretando um super-herói, busca a todo custo reconquistar o prestígio do público e da crítica, acabando preso num vórtice de confusão mental potencializado pelos movimentos de câmera e das personagens pelos corredores. Cada vez mais perto da loucura, labirintos mentais se confundem e refletem nos labirintos do teatro, cujos espaços se tornam cada vez mais estreitos, apertados e claustrofóbicos.
Direção: Alejandro G. Iñárritu
Ano: 2014
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Her
Her se passa em um futuro não muito preciso, em que o protagonista Theodore Twombly se apaixona por Samantha, um sistema de inteligência artificial personificado por uma voz feminina. À diferença de outros filmes de ficção científica que se apoiam nos objetos e elementos de design para caracterizar o futuro, Her é um filme que fala de emoções e atmosferas - e o faz através de escolhas precisas, mínimas e até banais dos elementos materiais que aparecem em cena.
O apartamento de Theodore busca refletir o estado de espírito da personagem: recém divorciado, deprimido, Theodore parece ver naquele espaço um lugar temporário, não se importando em desencaixotar parte de seus pertences. As cores do filme também contribuem para criar uma atmosfera específica: superfícies, materiais e a própria luz tendem ao vermelho e tons alaranjados, criando um ambiente agradável e quente para a personagem.
Direção: Spike Jonze
Ano: 2013
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O Grande Hotel Budapeste
Os filmes de Wes Anderson costumam agradar aos olhos de arquitetos e fotógrafos, mostrando composições de plano perfeitamente simétricas e espaços que parecem mesclar passado e presente, realidade e fantasia. O Grande Hotel Budapeste não é diferente, e seus interiores exuberantes repletos de texturas e cores saturadas contribuem para dar ao filme o típico aspecto surreal de outras produções de Anderson.
Direção: Wes Anderson
Ano: 2014
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O Iluminado
Semelhante a Birdman, os interiores de O Iluminado vão progressivamente se tornando mais e mais labirínticos, na medida em que a loucura vai se apossando da mente de Jack Torrance, protagonista do filme. Isolado do mundo em um hotel que permanece fechado ao público boa parte do ano, a fragilidade mental de Jack o leva a ver situações, pessoas e espaços imaginários e a querer assassinar sua esposa e filho - únicas companhias no remoto local. O fim do protagonista se dá, precisamente, em um labirinto: exausto após perseguir sua família no labirinto de hera do hotel, Jack morre congelado numa fria noite de inverno.
Direção: Stanley Kubrick
Ano: 1980
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Nostalgia
Um poeta russo - Andrei Gorchakov - e seu intérprete viajam à Itália para pesquisar a vida de um compositor do século XVIII, porém, em sua estadia mediterrânea, a nostalgia de sua terra natal começa a assolar a mente e emoções do poeta. Ao ritmo lento do filme - presente também em outras produções de Andrei Tarkovsky - faz coro uma arquitetura de superfícies erodidas, deterioradas, gastas pelo tempo e pelo uso das personagens. Não é difícil buscar na fenomenologia uma possível interpretação destes interiores marcados pelo hábito, que fazem lembrar justamente a falta que faz ao personagem sua terra de origem.
Direção: Andrei Tarkovsky
Ano: 1983
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Festim Diabólico
Filmado de modo a parecer um plano sequência, com os cortes da película realizados em momentos estratégicos e "invisíveis", esta obra-prima de Hitchcock se passa inteiramente no interior de uma penthouse em Manhattan. No apartamento, Brandon Shaw e Phillip Morgan matam por estrangulamento seu companheiro de turma da faculdade e, posteriormente, recebem convidados para um jantar. A tensão entre as personagens aumenta na medida em que o professor dos jovens, Rupert Cadell, que fora convidado para a festa, se inquieta com a ausência do terceiro e, após uma sºerie de indagações, acaba por descobrir que o corpo da vítima jazia o tempo todo dentro de um grande buffet sobre o qual o jantar fora servido.
Direção: Alfred Hitchcock
Ano: 1948
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